Sobre o autor
Rafael Benke
CEO-Fundador da Proactiva
No final de 2019, a Comissão Europeia apresentou o European Green Deal (EU Green Deal) como plataforma estratégica para fomentar a transição da economia europeia pautada pelo desenvolvimento sustentável, crescimento econômico e descarbonização. Aprimorar as políticas para promover a redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), estimular a transição energética, incrementar a produção sustentável, controlar emissões de GEEs em produtos importados de terceiros países, incrementar o alcance dos direitos humanos e aprimorar a responsabilidade corporativa são apenas alguns anseios previstos pelo EU Green Deal.
Desde então, a União Europeia (UE) está imbuída na criação ou aprimoramento de várias normativas que, além de criar obrigações para o setor produtivo europeu, poderá exigir o cumprimento de diversos requisitos pelos importadores e, consequentemente, pelos produtores em terceiros países.
Destacam-se aqui duas regulamentações em curso, de particular interesse para a cadeia têxtil e de vestuário, referentes ao Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (‘CBAM’, Carbon Border Adjustment Mechanism em inglês) e à Devida Diligência de Sustentabilidade Corporativa.
Em maio de 2023, o CBAM foi aprovado por meio do Regulamento 2023/956. O objetivo central do mecanismo de ajuste de carbono na fronteira é exigir que produtos importados sejam sujeitos às medidas de redução de emissões, evitando-se o que a EU denomina de vazamento de carbono. Na prática, a medida exigirá que os importadores obtenham informações sobre emissões e ações climáticas em produtos importados dos setores de ferro, aço, alumínio, cimento, fertilizantes e energia em uma primeira fase. Apesar de o setor têxtil não ser diretamente afetado na primeira fase do CBAM, fases posteriores poderão trazer o risco de inclusão do setor.
Como a UE tem meta de reduzir pelo menos 55% das emissões de GEEs até 2030, comparadas aos níveis de 1990, e a meta de neutralidade de emissões até 2050, e possui um mercado de carbono cap and trade (European Emissions Trading System – EU-ETS) com metas compulsórias para vários setores, pretende exigir medidas semelhantes para setores similares nos países que exportam.
Espera-se que a cobrança de uma taxa de carbono na fronteira compense esse desnível internacional para os setores mais intensivos em emissões e que sua aplicação efetiva se inicie a partir de 2026.
Um dos desafios do CBAM é definir quais dados a UE aceitará, visando atestar que certos produtos estão sujeitos a metas de redução de emissões, ou os importadores terão que adquirir certificados CBAM. Isso gerará diversas obrigações para os importadores quanto a obtenção de informações e dados que permitam assegurar que produtos importados são efetivamente sujeitos às medidas de redução de emissões. Ainda é incerto antever como a UE irá gerir o funcionamento do mecanismo, o que sugere que a fase provisória será de extrema importância.
Ademais, há uma ampla discussão sobre a compatibilidade do CBAM diante das regras da Organização Mundial do Comércio, uma vez que pode gerar restrições e até barreiras ao comércio com a finalidade de reduzir emissões de GEE. Vale, no entanto, apontar que no recente painel entre Malásia e EU, o painel entendeu que a regra europeia que acabou restringindo óleo de palma em função dos riscos de emissões associadas a efeitos indiretos do uso da terra, caracterizam um objetivo legítimo de proteção ambiental, nos termos do Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio. A aplicação da medida, na prática, pode gerar restrições.
Como os importadores poderão comprovar que os produtos que importam seguem metas compulsórias de redução de emissões, são abrangidos pelas metas nacionais no Acordo de Paris ou seguem padrões produtivos que alcançam objetivos climáticos é uma incógnita.
A iminente aprovação do mercado de carbono regulado, denominado de Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões, pretende criar metas compulsórias para setores com emissões acima de 25 mil toneladas de CO2eq por ano. O projeto foi aprovado no Senado e no Congresso e depende da aprovação final, o que deve ocorrer ao longo de 2024. Neste sentido, vale considerar que com um cap and trade que estabeleça metas para vários setores, a indústria estaria embasada para evitar restrições e custos de mecanismos como o CBAM. Naturalmente, essa isenção de pagar ajustes de fronteira dependerá, caso a caso, da forma e exigências que cada mecanismo irá gerar e como deverão operar.
De toda forma, é essencial considerar que medidas internas que estabeleçam metas de redução de emissões, mesmo que voluntárias, se tornam um diferencial para vários setores. No âmbito da Iniciativa Science Based Targets, 5.027 empresas definiram metas climáticas e 3.055 empresas que definiram metas de neutralidade climática, dentre as quais, 495 do setor de têxteis, vestuário e calçados.
Com relação à segunda regulamentação de destaque, acaba de ser aprovada pelo Conselho Europeu a Diretiva da Comissão Europeia sobre a Devida Diligência em Sustentabilidade Corporativa (CSDDD), que tem como objetivo promover a sustentabilidade corporativa, estabelecendo a obrigatoriedade para as empresas de conduzirem a chamada 'devida diligência’ corporativa em direitos humanos e meio ambiente, voltada a minimizar a extensão de potenciais impactos ambientais e de direitos humanos decorrentes de suas atividades ou relações comerciais. O próximo passo é a votação da CSDDD no Parlamento Europeu.
A Diretiva proposta impõe a obrigação de que as empresas europeias tomem medidas, para a identificar, prevenir, mitigar e comunicar como abordam os riscos e impactos adversos ao meio ambiente e aos direitos humanos, com relação não somente às suas operações, mas também à sua cadeia de fornecedores e relações comerciais. Para tanto, são levados em conta referenciamentos internacionais, como os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU e as Diretrizes da OCDE para Empresas e Multinacionais. As novas regras irão afetar empresas brasileiras com negócios junto aos 27 países do bloco. Consumidores e empresas de vários países pressionam a adoção dessa legislação.
No texto atual, os Estados-membros deverão implementar medidas para assegurar que os diretores das empresas europeias considerem as consequências de suas decisões em matéria de sustentabilidade, sujeitos a responsabilidade civil.
Nota-se que a conexão com a cadeia de suprimentos e relações comerciais fará com que os requisitos impostos impactem também os países fornecedores para Europa, incluindo o Brasil. Ademais, diferentemente da CBAM, no caso da Diretiva Proposta, o setor têxtil e vestuário é visto como um setor de ‘alto impacto’, e como tal, sujeito a essas obrigações também para empresas europeias de menor porte.
Enquanto alguns países Europeus já adotam em suas legislações nacionais semelhantes ao que essa Diretiva demandará (como por exemplo Alemanha, Holanda e França) espera-se que a obrigatoriedade para todos os países-membros ocorra até o final de 2024. Independentemente a consolidação normativa, grandes grupos empresariais já se movimentam fortemente para fortalecer suas práticas socioambientais para não terem gargalos e impactos negativos no futuro próximo.
Tanto a CBAM como a Diretiva de Sustentabilidade corporativa destacam a relevância da agenda climática, direitos humanos e socioambiental ampliada para as empresas brasileiras que se relacionam com empresas e mercado europeus, seja como forma para aprimorar a gestão e a produção usando energias renováveis e novas tecnologias, seja como diferencial competitivo e acesso ao mercado europeu.
Nesse sentido, é fundamental que os setores e as empresas, busquem compreender os parâmetros e requisitos internacionais ESG e de Direitos Humanos e identifiquem os pontos de fortaleza e fraquezas que merecem ser aprimoradas como forma de fortalecer sua competitividade e acesso a clientes, mercados, financiamento e imagem. As iniciativas em curso, pela ABIT e pela ABRAFAS, utilizando o “Termômetro ESG”, é um ótimo ferramental para nortear ações empresariais e setoriais concretas
ARTIGO PUBLICADO NA ABIT REVIEW. Acesse a revista aqui
Sobre o autor
Rafael Benke
CEO-Fundador da Proactiva
Sobre o autor
Rodrigo C A Lima
Sócio-diretor da Agroicone