Sobre a autora:
Cristina Filizzola
Diretora da filial de São Paulo I Office Director - São Paulo
É perceptível que desde a década de 1980 com o movimento econômico liberal, que a indústria têxtil brasileira vive um ambiente extremamente competitivo. Pressionada pelos preços baixos no mercado internacional, seguiu a tendência do fast fashion que potencializa este cenário.
Nesse modelo, impactos negativos são gerados no contexto ambiental, econômico e social. As roupas produzidas são quase que descartáveis, tanto para os consumidores, quanto para os varejistas, que “precisam” acompanhar lançamentos da estação na busca por maior lucro.
Dentre esses impactos, a precarização das condições de trabalho só cresce. Intermediários no setor, provocaram uma terceirização ou até mesmo “quarteirização” de serviços por pequenas facções de costura que estão na base desta cadeia e ocupam as relações comerciais mais frágeis.
Este cenário que já é desafiador, foi agravado pela crise econômica, política, e com a pandemia da COVID-19. As altas taxas de desemprego tem feito com que mais pessoas se submetam ao trabalho informal – entre elas, imigrantes que chegam ao país em busca de melhores condições de vida.
Devido ao grau de vulnerabilidade social e econômica que estes possuem, atrelada às condições de vida nos países de origem, muitos imigrantes se veem obrigados a aceitarem trabalhos precários, muitas vezes análogo ao escravo.
Segundo o Ministério Público do Trabalho de SP, em 2017, das 168 queixas sobre possível trabalho escravo recebidas, 52 eram na área têxtil. Em 2019, o setor seguiu nesse ranking e representava 18% das 311 denúncias.
Na cadeia têxtil a maioria destes trabalhadores imigrantes são bolivianos, mas também é comum encontrar peruanos e chilenos envolvidos nesta produção. Estima-se que só em São Paulo existam mais de 400 mil bolivianos, a maioria deles trabalhando como costureiros ou mesmo tendo sua própria facção. Ainda há estimativas, porém de difícil confirmação pelo grau de informalidade, que existam mais de 13 mil oficinas de costura espalhadas só na grande São Paulo.
As facções são frequentemente informais, encontrando diversas dificuldades, seja por falta de informação, diferenças culturais, interesse ou possibilidade financeira de sustentar um negócio regular no Brasil.
Segundo a Associação Brasileira do Varejo Têxtil - ABVTEX, apenas 23% do consumo de roupas do Brasil é distribuído pelo grande varejo.
Apesar dos desafios, aconteceram avanços na responsabilização e regularização de cadeias produtivas do grande varejo no país. Porém, não se vê este mesmo processo quanto às pequenas e médias confecções que são demandadas por marcas menores ou pela distribuição/venda informal. E são exatamente para estas marcas que a maioria das pequenas facções de costura, formada por imigrantes em São Paulo, produzem.
Para ilustrar esta trajetória, entender as relações da cadeia têxtil e do processo migratório, vamos apresentar dados de pesquisas e experiência de campo fomentadas pela Aliança Empreendedora que desde 2014 realiza o programa Tecendo Sonhos, com o objetivo de promover relações dignas de trabalho na cadeia têxtil com o público de facções de costura por meio do empreendedorismo.
O programa atendeu cerca de 2.500 imigrantes, que trabalham com costura na grande São Paulo. Muitos deles já possuem sua própria facção ou trabalham como costureiros e veem como perspectiva de crescimento abrir seu próprio negócio.
Veja abaixo o perfil de beneficiados atendidos pelo programa:
Trajetória e desafios do imigrante inseridos na cadeia têxtil em São Paulo:
Dados levantados em pesquisas do Tecendo Sonhos, indicam que a imigração da população boliviana, com maior representatividade no programa, ocorre quando há a falta de capital financeiro no país de origem, ou sonho de melhores perspectivas profissionais, já que muitos deles são jovens.
Chegam no país sem saber costurar por meio de indicação de familiares, colegas ou até mesmo aliciados, sem reservas financeiras e dependentes das oficinas que atuam, pois na maioria das vezes, moram e trabalham neste mesmo local.
Além de iniciar a trajetória sem recurso financeiro, imigrar inclui a perda de dois outros importantes capitais: o social e o cultural. Ao emigrar, as pessoas chegam com pouco ou ausência de uma rede de apoio. Essas redes são fundamentais para garantir acesso a melhores oportunidades de emprego, a serviços públicos e a uma assistência social.
Nessa ausência de três capitais, econômico, social e cultural, o imigrante recém-chegado é dependente do dono da oficina em três eixos:
- Tem dívidas com o dono, que controla o seu dinheiro (capital econômico)
- Não conhece ninguém na cidade/país (capital social);
- Não possui noções básicas sobre custos de vida, sobre a língua ou onde buscar ajuda (capital cultural).
O estudo também constatou que a situação do dono da oficina não é melhor que a do costureiro. A trajetória dele inicia-se como costureiro, e montar sua própria oficina é visto como uma conquista e ganho de independência. Fazendo com que muitos deles juntem dinheiro para ter seu próprio negócio em uma área que supostamente já conhecem.
Mas o início destes negócios demonstra que o pagamento dos aluguéis, luz e dos salários dos funcionários, gera custos fixos e consome todo o faturamento. Como resultado, o imigrante que vislumbra a independência se vê sem rendimentos próprios. Ou seja, ao tentar tornar-se independente de seu antigo patrão, o imigrante passa a se ver dependente de uma cadeia produtiva que ele não entende. Em sua nova oficina, não tem poder de negociação com seus clientes, passa a ter custos que não conhecia e uma produção sazonal que impacta sua saúde financeira.
Observa-se que os principais desafios vividos são:
- Econômico: falta de reservas, inclusão financeira;
- Social: diferenças culturais, idioma rede de apoio;
- Gestão de negócios e inclusão financeira: não conhece a cadeia produtiva, tem dificuldade em gerenciar o negócio;
- Regularização: de documentação e do negócio;
- Segurança e saúde: os donos das oficinas também possuem jornadas exaustivas, principalmente as mulheres que além de costurar, precisam limpar a casa-oficina e cozinhar para os funcionários. Condições insalubres no ambiente de trabalho;
- Contratação de funcionários: apontado como o principal desafio, é raro que consigam registrar seus costureiros, e arcar com custos fixos.
Existem perspectivas de mudança?
Sabemos que não existe um único caminho para tratar problemas tão complexos e estruturais, é necessário um trabalho em rede entre diferentes organizações e frentes de atuação.
As ações do Tecendo Sonhos buscam integrar pequenos empreendedores de facções têxteis, organizações sociais que trabalham com migração, governo, redes, pesquisadores e tecnologias que transformem as relações de sua cadeia.
Apesar dos desafios, o programa vem colhendo resultados importantes como: mudanças na gestão e produtividade, formalização, melhorias no ambiente de trabalho, redução de jornadas, ampliação das redes de apoio aos imigrantes e mulheres. Estes impactos variam conforme o envolvimento, acessos e perfil dos beneficiados do programa, bem como o formato e tempo de apoio.
Mesmo com avanços, percebe-se que ainda há um complexo desafio para a inserção destes em um mercado mais justo que sustente a regularização das pequenas oficinas e de seus funcionários. Por isso, uma das novas estratégias do programa é organizá-los em redes para que possam ganhar força na busca por melhores pagamentos, e consequentemente, qualidade de vida, rede social e regularização.
Ilustrações: Aliança Empreendedora, designer ALAVAVANCA Criatividade Corporativa.
Mais informações sobre o programa Tecendo Sonhos e o relatório de impacto:
www.tecendosonhos.org.br
Sobre a autora:
Cristina Filizzola
Diretora da filial de São Paulo I Office Director - São Paulo